Em um cenário em que o câncer se consolida como um dos principais desafios de saúde pública no Brasil, os tumores que afetam exclusivamente as mulheres – como os de mama, ovário e endométrio – trazem à tona uma discussão crucial sobre a necessidade de políticas públicas mais efetivas e um suporte integral às pacientes e suas famílias.
Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de mama é o tipo que mais acomete mulheres no Brasil, com uma estimativa de 74 mil novos casos para o último ano. Já os cânceres de ovário e endométrio, embora menos frequentes, apresentam taxas significativas, com aproximadamente 7 mil e 6,5 mil novos casos anuais, respectivamente.
“Todo diagnóstico de neoplasia traz impacto para o indivíduo e seu núcleo familiar. Claro que a magnitude vai depender da extensão da doença e do tipo de tratamento necessário. Tumores diagnosticados em estágios iniciais habitualmente são tratados com procedimentos menos complexos e que trazem menor morbidade. Por outro lado, os tratamentos podem ser mais longos e com mais etapas”, afirma Andréia Melo, líder da especialidade Tumores Ginecológicos da Oncoclínicas.
Tumores diagnosticados em estágios iniciais habitualmente são tratados com procedimentos menos complexos e que trazem menor morbidade Foto: Getty Images
Impactos físicos e emocionais do tratamento
O diagnóstico desses diferentes tipos de câncer feminino desencadeia uma série de desafios que ultrapassam as questões médicas. As pacientes enfrentam alterações significativas em sua autoimagem, especialmente em casos que envolvem mastectomia ou queda de cabelo durante a quimioterapia. Para mulheres na pré-menopausa, o tratamento pode provocar alterações hormonais, algumas irreversíveis, com profundo impacto emocional.
No âmbito familiar, as mudanças são igualmente profundas. A necessidade de afastamento do trabalho durante o tratamento pode gerar instabilidade financeira. De acordo com um estudo publicado na revista The Lancet Oncology, cerca de 40% das pacientes com câncer enfrentam algum grau de dificuldade financeira durante o tratamento, mesmo em países com sistemas universais de saúde. No Brasil, essa realidade é ainda mais acentuada devido às disparidades socioeconômicas.
Já o rearranjo da dinâmica familiar para garantir os cuidados necessários à paciente frequentemente resulta em sobrecarga emocional para todos os envolvidos. “Infelizmente, o abandono por parceiros durante o tratamento oncológico é uma realidade frequente”, observa Andréia Melo, ressaltando como o diagnóstico pode impactar drasticamente as relações familiares.
Novo modelo de cuidado
A abordagem moderna do tratamento oncológico vai além das intervenções médicas tradicionais. “Normalmente os locais que tratam câncer trabalham com serviços de psicologia, nutrição, odontologia, fisioterapia, assistência social, terapia ocupacional, enfermagem e fonoaudiologia”, destaca a especialista.
O objetivo dessa abordagem holística e interdisciplinar é garantir uma melhor qualidade de vida à paciente, tanto durante como depois do tratamento. Não à toa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que o acesso a cuidados paliativos e ao suporte psicossocial deve ser considerado um direito humano fundamental no contexto oncológico.
Os desafios do SUS
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta barreiras significativas para garantir a universalidade e a integralidade do tratamento oncológico. “Os desafios são enormes, considerando o tamanho do País, o número de usuários do SUS, o custo do tratamento e a disponibilidade finita de recursos financeiros”, pondera a especialista. A Lei 12.732/2012 estabelece que pacientes com câncer devem iniciar o tratamento no SUS no prazo máximo de 60 dias após o diagnóstico da doença. No entanto, segundo o Painel Oncologia Brasil, ferramenta de monitoramento do Ministério da Saúde, esse prazo ainda representa um desafio em diversas regiões do País, especialmente nas áreas mais distantes dos grandes centros urbanos. De acordo com os dados mais recentes do painel, o tempo médio entre o diagnóstico e o primeiro tratamento varia significativamente entre os Estados, evidenciando as disparidades regionais no acesso ao tratamento oncológico.
Para enfrentar essas questões, o Ministério da Saúde tem apostado na descentralização dos serviços e no fortalecimento da atenção primária. A capacitação continuada de profissionais e a implementação de protocolos específicos visam agilizar a identificação de casos suspeitos, aumentando as chances de sucesso do tratamento.
Já a ampliação da rede de centros especializados em tratamento oncológico representa outro pilar fundamental. Nos últimos anos, o Ministério da Saúde vem trabalhando na descentralização dos serviços, buscando reduzir as desigualdades regionais no acesso ao tratamento. Esse processo inclui a modernização de equipamentos e a incorporação de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas.
Ainda nesse contexto, a Política Nacional de Atenção Oncológica, prevista na Lei 14.758/23, desempenha papel estratégico. Com investimentos superiores a R$ 2,5 bilhões nos próximos anos, o plano contempla não apenas a expansão física da rede, mas também o desenvolvimento de programas de suporte psicossocial às famílias e a implementação de sistemas integrados de informação para uma melhor gestão dos casos.
Outro aspecto inovador da política é a ênfase na humanização do cuidado, com a criação de equipes especializadas no acompanhamento pós-tratamento, reconhecendo que o processo de recuperação de um paciente oncológico vai além da remissão da doença, envolvendo aspectos psicológicos, sociais e de reabilitação.
A luta contra o câncer feminino no Brasil vai muito além da medicina: é um desafio que demanda uma rede de cuidados verdadeiramente integrada e eficiente. Com a nova política nacional e investimentos bilionários previstos, o País dá um passo importante para garantir que as pacientes e suas famílias recebam o suporte necessário em todas as etapas do tratamento. O sucesso dessa transformação dependerá da capacidade de traduzir recursos financeiros em mudanças reais na vida dos milhares de mulheres que enfrentam essa batalha diariamente.
Sinais de alerta: quando procurar um médico
O diagnóstico precoce é fundamental para aumentar as chances de cura. Fique atenta aos seguintes sinais:
Câncer de mama
· Nódulo palpável na mama ou axila
· Alterações no formato ou tamanho da mama
· Mudanças na pele da mama (vermelhidão, casca de laranja)
· Alterações no mamilo (inversão, secreção)
Câncer de ovário
· Dor ou pressão na região pélvica
· Inchaço ou sensação de plenitude abdominal
· Alterações urinárias (urgência ou frequência)
· Mudanças nos hábitos intestinais
Câncer de endométrio
· Sangramento vaginal anormal, especialmente após a menopausa
· Sangramento entre menstruações
· Dor pélvica
· Secreção vaginal anormal
Rede de atendimento SUS – Onde buscar ajuda
O tratamento oncológico no SUS é organizado em diferentes níveis:
Atenção básica
· Unidades Básicas de Saúde (UBS)
· Realizam o primeiro atendimento
· Fazem encaminhamento para exames
· Oferecem acompanhamento preventivo
Centros de especialidades
· Consultas com especialistas
· Exames diagnósticos
· Biópsias quando necessário
Unidades de alta complexidade em oncologia (Unacon)
· Tratamento especializado
· Quimioterapia
· Cirurgias oncológicas
· Centros de referência em cada região