Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Kassio Nunes Marques se juntou à maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) e votou contra a possibilidade de as Forças Armadas desempenharem o papel de “Poder Moderador”.
A interpretação de que isso seria permitido pelo artigo 142 da Constituição costuma ser defendida por apoiadores do ex-chefe do Executivo, como uma maneira de apoiar uma eventual intervenção militar. O ministro André Mendonça, que também foi indicado por Bolsonaro para a Corte, votou da mesma maneira.
Até o momento, há dez votos para rechaçar a tese. Falta apenas o ministro Dias Toffoli se manifestar. A sessão, que ocorre no plenário virtual, termina nesta segunda-feira. Nunes Marques e Mendonça apenas acompanharam o relator, ministro Luiz Fux, e não publicaram seus votos no sistema eletrônico da Corte.
Já o ministro Alexandre de Moraes, que se manifestou na sexta-feira, fez duras críticas à interpretação defendida por aliados de Bolsonaro. “Exatamente em virtude da necessidade de garantir o Estado Democrático de Direito por meio da divisão das funções estatais em poderes civis, nunca na história dos países democráticos houve a previsão das Forças Armadas como um dos Poderes de estado, ou mais grave ainda – como se pretendeu em pífia, absurda e antidemocrática ‘interpretação golpista’ – nunca houve a previsão das Forças Armadas como Poder Moderador, acima dos demais Poderes de Estado”, escreveu o ministro.
Para ele, “a ignóbil interpretação da previsão das Forças Armadas como Poder Moderador do Estado brasileiro acarretaria a concentração de poder em um único e armado órgão da administração do Estado, em absoluto desrespeito à Constituição Federal e às regras do Estado Democrático de Direito, caracterizando um verdadeiro Estado autoritário”.
Moraes, no entanto, não mencionou em seu voto os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, como fez o decano Gilmar Mendes, que ligou o “processo de retomada do protagonismo político das altas cúpulas militares” aos atentados contra as sedes dos três Poderes.
“O resultado final desse processo é por todos conhecido. Após a derrota eleitoral de Bolsonaro no pleito pela reeleição em 2022, hordas ensandecidas permaneceram acampadas na frente de quarteis exigindo ‘intervenção militar constitucional’ com alegado fundamento no art. 142 da Constituição”, disse Gilmar.
Segundo o ministro, “a tentativa abjeta e infame de invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não será devidamente compreendida se dissociada desse processo de retomada do protagonismo político das altas cúpulas militares”.
Ele também afirmou que o texto do artigo 142 da Constituição “não impõe ao intérprete nenhuma espécie de dificuldade hermenêutica”. “A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite.”
Em seu voto, Fux defendeu que a chefia das Forças Armadas cabe ao presidente da República, mas que ele tem um poder limitado, que não inclui “qualquer interpretação que permita indevidas intromissões no regular e independente funcionamento dos outros Poderes e instituições, bem como qualquer tese de submissão desses outros Poderes ao Executivo”.
O relator também apontou que as chamadas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) devem ser empregadas para o “excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna”, depois de esgotados os mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem.
Segundo Fux, as Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos demais Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei.
Ele afirmou ainda que a Constituição colocou as Forças no âmbito do controle civil do Estado, como “instituições nacionais permanentes e regulares”, atributos que as qualificam como órgãos de Estado, e não de governo, portanto, “indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político.”
Em um voto protocolado em 31 de março, data em que o golpe militar de 1964 completou 60 anos, Flávio Dino classificou a ditadura como um “período abominável” da nossa história. “São páginas, em larga medida, superadas na nossa história. Contudo, ainda subsistem ecos desse passado que teima em não passar, o que prova que não é tão passado como aparenta ser”, escreveu.
“Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um ‘poder militar’. O Poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais Poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”, apontou o ministro em seu voto.
Dino também fez uma ressalva em relação ao voto do relator. Ele pediu que a íntegra do acórdão do julgamento seja enviada ao Ministério da Defesa, com o objetivo de que ele seja difundido “para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares”. “Dúvida não paira de que devem ser eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal, fixado de modo imperativo e inequívoco por este Supremo Tribunal”, concluiu. A iniciativa foi apoiada por Gilmar em seu voto.