O relatório da Polícia Federal sobre o conluio entre militares e o ex-presidente Jair Bolsonaro para uma tentativa de golpe de Estado traz uma minuta de criação do “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” em que o chefe seria o general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e conselheiro de Bolsonaro. Ainda mostra que o arcabouço jurídico do golpe seria desenhado pelo Superior Tribunal Militar (STM).
A assessoria de inteligência seria composta por pessoas próximas a Mário Fernandes: coronel Azevedo, coronel Vieira de Abreu e coronel Kormann. A assessoria de relações institucionais seria ocupada por Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro.
O gabinete seria ativado no dia 16 de dezembro de 2022, dia seguinte à operação Copa 2022, ou seja, após o golpe de Estado.
A Polícia Federal também apreendeu arquivos como uma planilha que condensava informações sobre o planejamento estratégico da ruptura institucional, contendo em detalhe as etapas de implementação do plano. O objetivo declarado do documento seria “restabelecer a lei e a ordem por meio da retomada da legalidade e da segurança jurídica e da estabilidade institucional”.
O documento baseia-se na alegação de fraude eleitoral no pleito de 2022 com a realização de novas eleições e prisão dos “envolvidos nas irregularidades verificadas no processo de 2022”, como o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Nesse mesmo documento, os militares dizem que o arcabouço jurídico para a ruptura institucional planejada seria desenhado pelo STM. Em outro ponto da planilha, relata que um dos campos apontava como meta a realização de prisão preventiva dos “juízes supremos considerados geradores de instabilidade”.
De acordo com os investigadores, o documento reforçava a necessidade de neutralização da atuação do ministro Alexandre de Moraes. A planilha continha sete linhas de operações: fronteiras, pontual, segurança interna, eleições limpas, legalidade, SOS Brasil e informacional. No pontual, consta a execução de mandados coercitivos contra pessoas “consideradas geradoras de instabilidade realizada”, como integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).
Já a linha de operação denominada “Eleições Limpas” evidencia que o objetivo do plano era anular as eleições para impedir a posse do governo legitimamente eleito (chapa Lula-Alckmin), mediante a propagação da narrativa de fraude eleitoral, com a finalidade de manter o então presidente Bolsonaro no poder.
Na linha de operação denominada Legalidade haveria a criação de uma base jurídica fundamentada na edição de um Decreto Presidencial, evidenciando a permanência no poder do então presidente e estabelecendo ações persecutórias, inclusive o cumprimento de mandados de prisão para os “envolvidos em indícios de irregularidades no processo eleitoral publicados”.
No campo informacional, a linha de operação projeta a divulgação das ações realizadas como o cumprimento de mandados coercitivos, a propagação em nível global da narrativa de fraude eleitoral e a destruição da democracia brasileira. “Claramente, são ações de publicidade do que seria o novo regime autoritário instaurado em caso de consumação do golpe de Estado”, analisa a Polícia Federal.
Por fim, o documento descreve a fase “modelando o ambiente”, em que cita três tarefas essenciais, dentre elas “neutralizar a capacidade de atuação do ministro Alexandre de Moraes”.
Ainda, o plano teria cinco fases de atuação, que englobariam o período de dezembro de 2021 a agosto de 2023. São elas: Modelando o ambiente – Dezembro (provavelmente 2021); Reestabelecimento da legalidade – janeiro a junho (provavelmente 2022); Manutenção da lei e da ordem – junho a dezembro (provavelmente 2022); Normalização – janeiro a maio (2023); Reversão – junho a agosto (2023).
“O conteúdo apresentado evidencia que o documento identificado trata-se de um planejamento estratégico que tinha como objetivo final um golpe de Estado, visando anular o pleito presidencial de 2022, com fundamento na falsa narrativa disseminada pela organização criminosa de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação, com o objetivo de manter o então presidente da República, Jair Bolsonaro, no poder. Para isso, as ações ainda suprimiriam o livre exercício da cúpula do poder Judiciário, mediante a prisão de ministros do STF e de agentes públicos que cumprissem suas ordens judiciais”, analisa a PF.