Com quase 51 milhões de beneficiários, a saúde suplementar é parte relevante do Sistema Nacional de Saúde. A adesão aos planos privados cresceu de forma significativa nos últimos 20 anos – a maior parte dela ocorre por meio de contratos coletivos em que as empresas respondem pela cobertura dos funcionários. A perspectiva do setor é que a tendência de expansão continue. Mais recentemente, no entanto, fatores como pós-pandemia, o custo das novas tecnologias e inflação médica desequilibraram as contas do setor.
Os planos de saúde acumulam resultados operacionais negativos desde 2021. O número de operadoras também segue trajetória de queda: hoje somam 678, enquanto que, em 2014, eram 874 atuantes no mercado.
Para o diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto, no que concerne aos hospitais, o problema está no fluxo de caixa. “As operadoras têm enfrentado dificuldades e transferido estas dificuldades para os hospitais. Na medida que tiveram suas margens reduzidas, elas montaram uma estratégia de ampliação do prazo de pagamento aos hospitais, afetando o ciclo de receita dos prestadores. Esperamos que esse cenário seja amenizado neste ano”, afirma.
Já a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reúne 141 operadoras, informa que o prejuízo operacional acumulado nos últimos três anos foi de cerca R$ 20 bilhões, considerando que para 2023 é estimado um novo déficit de cerca de R$ 10 bilhões, como no ano anterior. A entidade ressalta que as mensalidades não estão sendo suficientes para o pagamento das despesas e defende o uso mais racional dos recursos. “O Brasil é o campeão do mundo em exames e muitos deles são desnecessários. Somos um país tropical e gastamos com exames de vitamina D sem precisar. Precisamos melhorar a interoperabilidade e o trânsito do histórico do paciente no sistema para que diferentes atores da cadeia tenham acesso aos dados sem demora”, diz Marcos Novais, superintendente da Abramge.
Para ele, as informações de saúde não circulam no sistema privado, no sistema público e nem entre ambos. “Por volta de 7 milhões de vidas aderem aos planos anualmente sem que sua nova operadora saiba sequer quando foi que o beneficiário tomou alguma medicação no passado”, observa.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) instituiu em 2022 um grupo de trabalho voltado para a criação de um prontuário eletrônico unificado e integração de informações entre os diversos agentes do setor. “O GT conclui que a tarefa deve ser conduzida no âmbito do Comitê Gestor de Saúde Digital e Conselho Intergestores, de acordo com as diretrizes da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde e do programa SUS Digital. Discutimos a organização dos dados em uma única plataforma, que agora depende de recursos do Ministério da Saúde para avançar. A integração destes dados é de suma importância para o Registro Eletrônico em Saúde dos cidadãos”, informa Paulo Rebello, diretor-presidente da autarquia. A ANS faz parte do comitê.
Para Ana Maria Malik, professora da FGV EAESP, a sustentabilidade financeira do setor passará por gastar melhor em vez de gastar menos. “A inflação médica é maior que a inflação geral há décadas. A economia da saúde mostra que os custos continuarão crescendo”, afirma. Para a especialista, o país precisa pensar em novos modelos de assistência médico-hospitalar para superar a crise que, na sua opinião, também é de eficiência.
“Do ponto de vista do prestador de serviços, está na hora de pensar em outro modelo de gestão do leito. Já existem tecnologias anestésicas que permitem que o paciente cirúrgico volte mais rápido para casa liberando o leito. Já do ponto de vista das operadoras, talvez elas precisem conhecer a vantagem econômica de usar mais as clínicas de transição para atender pacientes de quadros não agudos”, exemplifica. “No limite, sai mais barato do que o leito hospitalar.”
Solução passa por gastar melhor, em vez de gastar menos, diz Ana Maria Malik, da FGV
Na busca por sustentabilidade, hospitais posicionados entre os melhores do país apostam em um mix de estratégias. O Moinhos de Vento, de Porto Alegre, monta equipes enxutas de alta performance e prioriza a microgestão, uso de dados e investimento em ciência. Nos últimos dois anos, atingiu faturamento superior a R$ 1 bilhão. “Geramos conhecimento aqui dentro e temos mais de 280 protocolos de pesquisa clínica publicados, com vários deles envolvendo o uso de inteligência artificial”, afirma Mohamed Parrini, CEO do hospital.
O executivo observa, porém, que o surgimento de novas drogas em intervalos de tempo cada vez menores é um fator que está puxando os custos para cima. “Trata-se de medicamentos personalizados, lançados a cada dois anos, com tempo menor para ‘payback’ da descoberta. Isto encarece muito o preço e está pressionando o sistema privado, o SUS e os sistemas públicos da Inglaterra e Canadá também Assim, a conta não fecha. É uma inequação”, observa.
Para Parrini, o país está precisando, sobretudo, de um pacto coletivo para reconstruir o modelo de assistência com base na prevenção e saúde da família. A ANS também se posicionou pela mudança no modelo de gestão das operadoras para que saiam da posição de intermediadoras financeiras para coordenadoras de cuidados. “Investir em prevenção é o melhor caminho. E é importante dizer que há um grande desafio estrutural imposto por alterações demográficas e no perfil das doenças e grupos populacionais afetados”, acrescenta Rebello.
O Laboratório Sodré, de Lins, no interior paulista, sente o impacto das dificuldades que o segmento atravessa. A alta nos preços dos insumos como os reagentes químicos, todos importados, e do frete pesou nas contas. A alternativa que ajudou a equilibrar o balanço foi a diversificação dos serviços. Recentemente, os sócios expandiram o Sodré Toxicológico, primeiro laboratório do país a oferecer o exame de mesmo nome exigido por lei aos motoristas profissionais das categorias C, D e E. Hoje, o Sodré faz e envia o teste para uma rede de 3,3 mil laboratórios espalhados pelo país. O investimento na unidade especializada, que conta com 84 colaboradores incluindo pesquisadores, foi de R$ 100 milhões.
“Percebemos que seria vital inovar porque a inflação foi corroendo nosso negócio. Na medicina diagnóstica, a tabela de preços é imposta pelas operadoras e os reajustes não costumam cobrir os custos. Além disso, a população brasileira está envelhecendo. A faixa acima de 60 anos está demandando mais cuidados… Então, enfrentamos a pressão de receber menos dos planos e dar mais serviço”, afirma Lucelaine Morales, presidente do Grupo SL Sodré.
A estratégia para garantir as margens futuras é continuar diversificando. O Atralabs, braço de análises ambientais e de alimentos inaugurado pelo Sodré no ano passado com tecnologia de ponta, mira a pujança da agropecuária. A intenção é testar a qualidade de produtos como carnes de frigoríficos, açúcar, grãos, leite, ovos, mel e processados.