A atuação da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) junto a comunidades em Jacarepaguá dominadas por milícias motivou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão a encomendar seu assassinato, segundo relatório produzido pela Polícia Federal. Essas áreas no Rio são o principal reduto eleitoral de Chiquinho Brazão, que atualmente é deputado federal pelo União Brasil.
A conclusão adveio de informações fornecidas pelo delator Ronnie Lessa e de investigações decorrentes dela. Segundo a instituição, as investigações apontaram que havia, “de fato, uma colisão de interesses no tocante a questões fundiárias ligada ao direito à moradia”.
“Conforme narrado, Ronnie Lessa apontou como motivo o fato de a vereadora Marielle Franco estar atrapalhando os interesses dos irmãos, em especial, sua atuação junto a comunidades em Jacarepaguá, em sua maioria dominadas por milícias, onde se concentra relevante parcela da base eleitoral da Família Brazão”, diz o documento da PF.
- Se você gostou desse post, não esqueça de compartilhar:
- Irmãos Brazão infiltraram miliciano no Psol para monitorar Marielle, diz PF
- Delegado liderou ‘organização criminosa’ para sabotar investigação, diz PF
“Pelos fatos retratados na colaboração premiada de Ronnie Lessa, o motivo determinante de sua morte estaria relacionado a uma questão desempenhada de maneira mais discreta pelo seu mandato parlamentar, qual seja: a defesa do direito à moradia. Como circunda a motivação, tal ponto será o foco do presente tópico, a fim de que seja explicitada a vinculação de sua atuação à origem do elemento subjetivo da conduta dos autores mediatos.”
A PF aponta que havia “certas particularidades relativas aos políticos do Psol e aos Brazão que resultaram em episódios onde a tensão e o desgaste extrapolavam o esperado pelo regular exercício dos mandatos legislativos”, em especial alguns “associados a acusações de supostos ilícitos”.
“Em relação aos episódios mais recentes, que compreendem o período em que Marielle encontrava-se no exercício do cargo de vereadora do município do Rio de Janeiro, destaca-se que eles ocorrem em época congruente com o período apontado por Ronnie Lessa como sendo o início do planejamento da morte da parlamentar”, aponta o documento. “Sua combativa atuação, por meio de maciça mobilização social, foi uma valorosa ação em face dos desmandos perpetrados pelos caciques do PMDB à época”, partido que governou o Estado até 2018 e ao qual Chiquinho Brazão foi filiado até 2015.
Segundo a PF, o cenário de animosidade entre Marielle e os Brazão “recrudesceu justamente no segundo semestre de 2017“, quando teve a origem do planejamento do assassinato da vereadora. Isso ocorreu, segundo o delator, “por conta da atuação de Marielle na apertada votação do PLC n.º 174/2016″, que flexibilizava as exigências legais, urbanísticas e ambientais para a regularização de imóveis. O pano de fundo desse tema, no assassinato da vereadora, é o interesse das milícias na construção de edifícios na região de Jacarepaguá.
“No mesmo sentido, apontam diversos indícios do envolvimento dos Brazão, em especial de Domingos, com atividades criminosas, incluindo-se nesse diapasão as relacionadas com milícias e ‘grilagem’ de terras. Por fim, ficou delineada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito à moradia”, diz a PF.
Recompensa aos executores
Um dos executores do assassinato de Marielle, Ronnie Lessa afirmou que receberia em troca “uma grande extensão de terras que os irmãos Brazão estavam planejando invadir para promover o parcelamento do solo para posterior revenda dos lotes”. Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, que também participou do assassinato, também seria recompensado.
“[Lessa] ressaltou que, pelas dimensões das terras, se tratava de uma empreitada milionária. Contudo, asseverou que o maior atrativo da iniciativa residia na exploração dos serviços típicos de milícia decorrentes da ocupação dos loteamentos, como exploração de ‘gatonet’, gás, transporte alternativo, dentre outros, pelos quais o colaborador e seu comparsa seriam os responsáveis”, diz o relatório. “Ademais, segundo Lessa, o responsável pela implementação da infraestrutura e urbanização da área seria major Ronald, empreiteiro de construções irregulares em áreas de milícia, notadamente Rio das Pedras.”
Para a PF, “depreende-se que Ronnie Lessa desejava ter uma área para chamar de sua e explorá-la economicamente sem ter que abaixar a cabeça para outras lideranças”.
“Inserido no contexto da milícia há pelo menos uma década, Lessa auferia uma boa renda como arrendatário de máquinas de música e da exploração de serviços de ‘gatonet’ em algumas regiões sob controle da milícia e do tráfico de entorpecentes”, diz o documento. “Do mencionado procedimento se extrai que Ronnie Lessa estava implementando um loteamento nessa área e promovendo, sobre ela, atos de gestão.”