Garantir que produtores adotem práticas de agricultura regenerativa em pelo menos 200 mil hectares de soja nos próximos cinco anos. Esta é a meta da ADM para o Brasil, a norte-americana Archer Daniels Midland, com sede em Decatur, Illinois (EUA), e que atua no país há quase três décadas. Ela, que fatura cerca de US$ 100 bilhões (R$ 501,6 bilhões na cotação atual) por ano, é uma das quatro maiores tradings do mundo (as chamadas ABCD: ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus).
O número foi anunciado na nesta terça-feira (26), em Uberlândia (MG), depois da ADM apresentar seu programa ambiental em novembro de 2023. A trading conta com um projeto piloto de 20 mil hectares em fazendas de Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais, dentre seis milhões de hectares da oleaginosa que controla em 18 estados, cultivados por cerca de 10 mil “clientes”, como se refere aos fornecedores de grãos.
“O carro-chefe é a soja, mas pode ser extrapolado desde que os cálculos de medição do balanço de carbono também sejam adaptados para as culturas do milho e algodão — hoje, essas técnicas são mais focadas no grão”, disse Raphael Campos, diretor de originação e insumos da ADM, à Forbes Agro, em coletiva realizada na fazenda Pombo, no interior de Minas. Num momento em que busca estreitar os laços com os produtores para apaziguar a tendência de baixa das commodities, a proposta da companhia é prestar consultoria sobre os métodos e medir o nível de carbono gerado pelas lavouras (um dos pilares da agricultura regenerativa).
“Existe um custo para fazer a tecnologia, a ideia é iniciar”, afirmou Campos, questionado se a meta não é modesta em relação ao que tem sido feito em termos de agricultura regenerativa no Brasil — para ele, as expectativas da trading nesse sentido são “audaciosas”. Iniciativas semelhantes têm sido promovidas pelas grandes empresas do setor, como a Bunge, que prevê a recuperação de 250 mil hectares no Centro-oeste e Sul, a Syngenta (um milhão de hectares no Cerrado) e LDC (Louis Dreyfus Company, com 1,2 milhão de hectares nos EUA, Canadá, Brasil e Argentina).
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Conforme alguns dos preceitos da agricultura regenerativa, o programa da ADM prevê que os produtores realizem o manejo especial da água e do solo, o plantio direto — sem revolver a terra, com manutenção dos rejeitos e rotação de culturas — e sistemas integrados como a ILPF (integração lavoura, pecuária e floresta), desenvolvido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), utilizando bioinsumos em vez de fertilizantes e defensivos convencionais.
O Brasil conta, atualmente, com 33,5 milhões de hectares no sistema de plantio direto, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A técnica tem por objetivo reduzir o impacto da agricultura e recompor a estrutura do solo. Previsto no Plano ABC+ (Agricultura de Baixo Carbono), do Mapa (Ministério da Agricultura), a meta é que o semeio direto chegue a 75% da área plantada até 2030.
“Uma boa parte dos produtores no Brasil já utiliza métodos que compõem as práticas sugeridas de agricultura regenerativa”, observou Campos. “A ideia do programa, além de direcioná-los para potencializar isso, é medir quanto essas práticas contribuem para a maior fixação de carbono no solo. Esse é o grande foco. Além de dar consultoria para eles, principalmente mensurar os resultados de forma científica”.
Na fazenda Pombo, uma das mais tecnológicas da região de Uberlândia e parceira antiga da ADM, a implementação dos métodos está adiantada. A propriedade tem 10 mil hectares (5,5 mil arrendados) nos quais o produtor Júlio César Pereira cultiva soja, milho, batata, trigo e feijão. É uma fazenda altamente tecnificada, com uso de irrigação e agricultura de precisão.
Destes, 1,1 mil hectares já foram adaptados ao programa. A meta é chegar a dois mil hectares nos próximos anos. “Acho que a gente vai ser uma escola. Por isso me propus a estar nesse programa. Eu também quero aprender. E é um aprendizado. A gente está aqui aprendendo todos os dias e podemos estar errando sem saber”, comentou o agricultor, reforçando a importância da consultoria.
Em relação ao aumento de custos na aplicação dos métodos, que no início podem implicar perdas na produtividade, André Germanos, diretor de negócios e agricultura regenerativa da ADM, afirmou que melhorias na gestão da fazenda e ganhos de produtividade posteriores às adaptações compensam. “Você tem potencialmente alguns aumentos de custos”, disse Pereira. “Nos primeiros anos, pode ter uma flutuação na produtividade — isso pode acontecer ou não —, pode ter um pouco de aumento de custo, mas no médio prazo, em cinco, seis, sete anos, isso já se recuperou e os ganhos ultrapassam muito esses custos que podem existir no começo.”
Como driblar cenário de incertezas
Diante de uma perda de 20% no preço médio dos grãos entre 2023 e 2024, que levaram a uma queda na rentabilidade dos seus parceiros, que era de 30% a 50% do valor investido no ano passado e está entre 10% e 20% neste ano, a ADM está buscando dar maior previsibilidade aos produtores com a venda antecipada dos insumos e a compra antecipada dos grãos, de acordo com Campos.
O executivo indica que as cotações da saca de soja caíram de R$ 4 mil para R$ 2,5 mil no período. “Quando a margem do produtor deprime, todo o lucro da cadeia, seja das tradings, do mercado de insumos, equipamentos, tratores, máquinas, toda a margem tende a ter uma redução nos preços”, disse ele. “Estamos navegando juntos por esse período de maior incerteza e rentabilidade com o planejamento agrícola, fornecendo os insumos antecipadamente e ajudando eles a vender o grão, de modo a garantir um custo mais viável por hectare e melhores margens para a operação.”
Entre as quatro maiores empresas do agronegócio global, que comercializam de 75% a 90% da produção de commodities agrícolas, a ADM tem 12% do market share de soja no Brasil e apresenta crescimento médio anual de 20% no faturamento das operações com o grão. No milho e algodão, a participação no mercado é de, respectivamente, 6% e 10%. A empresa também tem parcelas significativas dos mercados de adubos (3%) e defensivos (0,5%). O lucro global da companhia foi de US$ 4 bilhões (R$ 20,1 bilhões) em 2023. Na safra de 2023/24, a trading espera atingir um crescimento de 15% na produção de soja e 10% na “originação” de milho safrinha.
ADM no mercado de sementes
Em Uberlândia, os executivos também disseram que a companhia está entrando no mercado sementeiro e de insumos biológicos. Segundo Campos, o negócio está em fase de estruturação e o próximo passo é firmar parcerias no setor de sementes, com previsão de início das operações na safra de 2025/26.
“Nosso plano de crescimento e distribuição de insumos agrícolas é se consolidar como um dos maiores distribuidores de fertilizantes ainda esse ano, a gente cresce com a distribuição de defensivos químicos e temos na esteira a distribuição de sementes e biológicos”, disse ele. “Entre aqueles produtores que já estão utilizando os fertilizantes distribuídos pelo ADM, nós queremos aumentar o market share em defensivos convencionais e gradualmente também aumentar a nossa participação nos produtos biológicos e nas sementes.”
De acordo com a Mordor Intelligence, o mercado global de sementes de grãos (milho, soja, arroz, trigo e sorgo, basicamente) está estimado em US$ 41,14 bilhões (R$ 206,3 bilhões) para este ano, e deverá atingir US$ 55,99 bilhões (R$ 280,8 bilhões) até 2030, crescendo a um CAGR de 5,27% durante o período. A América do Sul, com destaque para o Brasil, responde por 10% do mercado atual. A ADM entra em uma disputa no setor de sementes00 hoje liderada no mundo por Bayer, Corteva, KWS, Syngenta e UPL.